Ata da Audiência Pública
“Saúde Mental: Execução de Medida de Segurança e aplicação da Lei 10.216/2001 ao Sistema Penitenciário Nacional”
No dia 20 de junho de 2011, no auditório do 5º andar da Procuradoria Geral da República – PGR, em Brasília – DF, foi realizada audiência pública convocada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão com o objetivo de lograr conhecimentos e informações dos operadores da área jurídica, especialistas em saúde mental, entidades civis e sujeitos de direitos quanto à aplicação da Lei 10.216/01. O edital de convocação e a programação da audiência foram previamente divulgados pela Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão - GILDA PEREIRA DE CARVALHO, e foram convidados para compor a mesa: LUCIANA MUSSE (Advogada e Psicóloga – membro da comissão da PFDC), ADRIANA EIKO MATSUMOTO (Conselheira do Grupo de Trabalho Sistema Prisional do Conselho Federal de Psicologia), EMANUEL FORTES SILVEIRA CAVALCANTE (Representante do Conselho Federal de Medicina), IVARLETE FRANÇA (Representante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – Renila), TÂNIA MARCHEWKA (Procuradora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios), GEDER LUIZ ROCHA GOMES (Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP), MARA FREGAPANI BARRETO (Coordenadora-Geral da Reintegração Social e Ensino do Departamento Penitenciário Nacional/DEPEN- Ministério da Justiça), TÂNIA KOLKER (Coordenadora de Reinserção Social dos Hospitais de Custódia do Rio de Janeiro da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro), JANAÍNA PENALVA (Psicóloga-Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero/ANIS), WALTER FERREIRA DE OLIVEIRA (Psiquiatra, Médico Sanitarista e Professor da Universidade Federal de Santa Catarina), ROBERTO TYKANORI (Coordenador Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde), PAULO AMARANTE (Professor da Escola Nacional de Saúde Pública-ENSP/FIOCRUZ /Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental ( ABRASME) / Coordenador do Grupo de Trabalho em Saúde Mental da Associação Brasileira de Saúde Coletiva/ABRASCO), TANIA MARIA DAHMER PEREIRA (Diretor do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do Rio de Janeiro), PAULO VASCONCELOS JACOBINA (Procurador Regional da República da 1ª Região), HAROLDO CAETANO DA SILVA (Promotor de Justiça - Coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH) – Ministério Público do Estado de Goiás e idealizador do Programa de Atenção ao Louco Infrator/Paili), ROMINA GOMES (Psicóloga Judicial do Tribunal do Núcleo Supervisor do PAI PJ de Minas Gerais), HERBERT CARNEIRO (Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais), ULYSSES RODRIGUES DE CASTRO (Diretor-Geral do Instituto de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal). A audiência foi transmitida para todas as unidades do MPF através da intranet e o material apresentado em mídia eletrônica está disponibilizado no site da PFDC.
A audiência foi oficialmente aberta pela Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, GILDA PEREIRA DE CARVALHO, que deu início aos trabalhos ressaltando a importância e o interesse do evento e apresentando o propósito e a metodologia da audiência. A primeira mesa – “Apresentação do Parecer da Comissão criada pela PFDC e posicionamento dos Conselhos Federais e entidades civis sobre a aplicação da Lei 10.216/01 em medida de segurança” – foi composta pela Advogada e Psicóloga LUCIANA MUSSE, pela Conselheira do grupo de Trabalho Sistema Prisional do Conselho Federal de Psicologia ADRIANA EIKO MATSUMOTO, pelo representante do Conselho Federal de Medicina EMANUEL FORTES SILVEIRA CAVALCANTE, e pela representante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila) IVARLETE FRANÇA.
LUCIANA MUSSE apresentou o “Parecer sobre medidas de segurança e hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico sob a perspectiva da Lei nº 10.216/01, elaborado pela Comissão criada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão”, em uma série de slides já disponibilizados no site da PFDC. Iniciou a apresentação fazendo algumas considerações sobre o material distribuído aos participantes da audiência, destacou e explicou cada tópico do Parecer. Posteriormente, fez um breve relato sobre a Comissão, enumerando seus respectivos componentes. Definiu estratégias e metas para a atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, das Procuradorias dos Direitos do Cidadãos nos estados e municípios e dos promotores do Ministério Público, visando ao cumprimento das políticas públicas no tocante ao tema saúde mental. Ressaltou que a comissão fez algumas escolhas metodológicas para tratar do tema e definiu como foco do parecer a pessoa adulta com transtornos mentais em conflito com a Lei nº 10.216/01 (pessoas adultas cumprindo medidas de segurança com transtorno mental). Destacou a necessidade de uma denominação mais apropriada para se referir à pessoa com diagnóstico de algum tipo de transtorno mental (louco infrator X pessoa com transtorno mental em conflito com a lei). No parecer, optaram pela expressão “pessoa com transtorno mental”, que destaca o entendimento da comissão de que a prevalência é da pessoa em detrimento do transtorno. Esclareceu que a origem da expressão “louco infrator” ou “pessoa com transtorno mental em conflito com a lei” foi definida com base na legislação aplicada ao adolescente em conflito com a lei. Ressaltou que o foco principal do trabalho é a pessoa adulta com transtornos mentais em conflito com a Lei nº 10.216/01, e não o adolescente em conflito com a lei com diagnóstico de transtorno mental, nem as pessoas com dependência química. Posteriormente, apresentou as considerações da comissão, que concluiu que o atual sistema de execução da medida de segurança no Brasil configura uma das maiores violações aos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei, destacando a necessidade de criação de agenda política, social e jurídica voltada para a atenção psicossocial, assistência jurídica, moradia, trabalho e demais direitos das pessoas com transtornos mentais em medida de segurança; de uma política assistencial social, a criação de equipe de atenção psicossocial na Atenção Básica, além da implantação de todos os dispositivos extra hospitalares de saúde mental – Programa Saúde na Família, CAPS, Residência Terapêutica, dentre outros. Destacou, ainda, fomento, por parte da PFDC, da participação da sociedade civil, por intermédio dos movimentos sociais, associações e a academia, no debate e na construção de políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos das pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei. Falou da importância do papel dos movimentos sociais na implementação dos direitos das pessoas com transtornos mentais, mas destacou que estes não têm atuado com a mesma intensidade para assegurar os direitos das pessoas adultas com transtornos mentais em conflito com a lei, acarretando a exclusão desse grupo. Em seguida, apresentou algumas sugestões elaboradas pela comissão para uma atuação mais eficaz: fiscalização e controle das medidas de segurança, por parte do Ministério Público; expedição de recomendação ministerial, por parte da PFDC, no sentido de recomendar o cumprimento das Resoluções nº 5/2004 e nº 4/2010 CNPCP e a Resolução nº 113/2010 do CNJ; o MPF, o MPDFT e o MPE deverão promover ações efetivas para fiscalizar os órgãos da Administração Direta e Indireta quanto ao repasse de verbas destinadas às internações nas unidades psiquiátricas, bem como a destinação das verbas para os serviços substitutivos de atenção psicossocial; retirada dos Projetos de Lei nº 3473/2000 e o PL 5057/2001; inclusão da Lei 10.216/01 em editais de concurso, em cursos de formação dos aprovados em concursos de magistratura, ministérios públicos, dentre outros. Aduziu, por fim, a necessidade de revisão da legislação codificada penal e processual penal e da LEP, para adequá-las à Lei nº 10.216/01, no tocante à medida de segurança, dando atenção especial à problemática da presunção de periculosidade da pessoa com transtorno mental em conflito com a lei. E, enquanto não for feita essa revisão na legislação, que seja interpretada à luz da Lei 10.216/01. Por fim, definiu o que seriam pessoas “psicopatas” ou “sociopatas”, esclarecendo que estas detêm transtornos de conduta ou de personalidade anti-social, e que devem ser apenadas, e não aplicadas medidas de segurança, quando não apresentarem alterações psicóticas.
Em seguida foi dada a palavra à senhora ADRIANA EIKO MATSUMOTO, Conselheira do Grupo de Trabalho Sistema Prisional do Conselho Federal de Psicologia, que criticou o sistema prisional, e afirmou que o manicômio é a pior das prisões, o pior dos hospitais de tratamento. Fez uma análise histórica, utilizando paradigmas biomédicos e jurídicos, destacando o conceito de “periculosidade”. Afirmou que está existindo uma reconstrução de paradigmas no diagnóstico de Transtorno de Conduta e Transtornos de Personalidade Anti-social, sendo imprescindível uma reorientação jurídico-legislativa para a efetiva aplicação da Lei nº 10.216/01 às medidas de segurança. Compreende-se que a Lei 10.216/01 revogou parcialmente o Código Penal e a Lei de Execução Penal no que diz respeito às medidas de segurança, bem como incide uma nova interpretação em artigos relativos à pessoa com transtorno mental na relação com a justiça penal. Citou os artigos 26 e 96 a 99 do Código Penal, 149 a 154 do Código de Processo Penal, e 171 a 179 e 183 da Lei de Execução Penal. É importante uma reorientação da Atenção Psicossocial visando à efetiva aplicação da lei às medidas de segurança, havendo uma incorporação das pessoas em medidas de segurança no Sistema Único de Saúde (Integralidade na Atenção Psicossocial Antimanicomial). Lembrou que a psicologia brasileira tem um compromisso social e possui diretrizes para atuar junto às pessoas em medida de segurança e que a Resolução nº CFP 12/2011 regulamentou a atuação do Psicólogo no âmbito do Sistema Prisional, contribuindo para a construção de uma pauta ético-política do profissional. Importância da atuação na construção e fortalecimento dos laços sociais e utilização do conceito de vulnerabilidade em substituição ao de culpabilidade da pessoa com transtorno mental em conflito com a lei. Trouxe, ainda, alguns desafios a serem superados: a situação das pessoas em medida de segurança que se encontram em presídios; internação compulsória civil para jovens em conflito com a lei que ocorre no Estado de São Paulo; a realidade das pessoas presas que estão em sofrimento mental e desassistidas; a situação dos usuários de álcool e drogas que estão no sistema prisional.
O representante do Conselho Federal de Medicina, EMANUEL FORTES SILVEIRA CAVALCANTE, abordou a apuração da aplicação da Lei 10.216/2001 ao sistema penitenciário nacional. Iniciou sua exposição salientando que não concorda com a necessidade de uma reorientação jurídico-legislativa. Defende que as disparidades existentes não decorrem da falta de dispositivo legal, e sim da inobservância das normas já existentes. Destacou algumas assertivas errôneas sobre o conceito e mencionou os seguintes dispositivos legais: a Lei 2312/54 (afirma que era uma norma satisfatória e eficaz) e o Decreto Regulador nº 49974-A/61 – Código Nacional da Saúde, artigos 84 e 85. Falou brevemente da história do conflito do conceito das pessoas com doença ou deficiências mentais. Apresentou o PL 3657/89 (Deputado Paulo Delgado) – que dispõe sobre a substituição progressiva dos manicômios. Criticou a proposta legislativa, sob o fundamento de que os atos não poderiam ser revistos por pessoas sem formação em medicina. Questionou que uma norma não poderia ser apenas analisada por juristas, sendo indispensável a participação dos médicos e especialistas no assunto. Ao tratar da Lei nº 10.216/01, ressaltou que esta redireciona o modelo assistencial em saúde mental, nos termos dos artigos 6º ao 10. Enfatizou ser uma lei que prevê a presença do médico como elemento construtor. Ao falar de internação compulsória (artigo 26) reconheceu que esta é determinada pelo juiz, mas somente mediante laudo médico. Frisou que não é o juiz quem manda, pois o magistrado deverá apenas dar eficácia ao laudo médico. Ressaltou que já existia previsão do assunto na Lei nº 2312/54, bem como no Decreto Regulador nº 49974-A/61. Teceu críticas no tocante à avaliação sobre o modelo atual dos Hospitais de Custódia, quanto à estruturação e gerenciamento dos HCTPs, que se apresentam de forma insatisfatória, despersonalizada e deficitária, não atendendo às necessidades básicas do paciente em cumprimento de medida de segurança detentiva. Ressaltou que algumas unidades visitadas apresentaram um funcionamento aquém do mínimo desejado, ensejando hipóteses de descaso e/ou falta de preparo técnico por parte dos gestores responsáveis do poder público. Apontou que, na maioria dos casos, a organização e a disposição dos espaços nos hospitais visitados assemelham-se mais a instituições prisionais do que a estabelecimentos terapêuticos que visem a uma reinserção social. Quanto ao atendimento médico, frisou que em todas as unidades visitadas foi observado um número excessivo de pacientes para a equipe técnica disponível. Identificou também como ponto problemático a condução simultânea do tratamento psiquiátrico e do exame de verificação de cessação de periculosidade pelo mesmo psiquiatra em algumas das instituições, o que fere o Código de Ética Médica, que proíbe o médico de ser perito de seu próprio paciente. Ainda sobre perícia, afirmou que os psiquiatras que realizam exame de verificação de cessação de periculosidade também estão sobrecarregados, chegando à situação de agendamento para o ano de 2015. Por sua vez, no que diz respeito à necessidade de reinserção social e acompanhamento terapêutico, verificou a baixa efetividade dos programas, sendo constatado que a falta de acompanhamento com profissionais qualificados aumenta as chances de reincidência. Concluiu sua apresentação com as seguintes sugestões: criação de ambulatórios ligados aos HCTPs para continuidade do tratamento dos ex-internos; ao ser encaminhado para tais ambulatórios é necessário que o HCTP envie um relatório sobre o tratamento efetuado ao paciente e o grau de melhora; a sua continuidade deverá ser realizada por psiquiatras forenses, uma vez que estão acostumados a lidar com pacientes que cometeram delitos, contribuindo dessa maneira para a melhor orientação terapêutica; os HCTPs mantenham tais pacientes abrigados em residências terapêuticas ou pensões protegidas, reservado este recurso para os casos em que os pacientes não tiverem suporte familiar ou social, inviabilizando que seu tratamento possa se dar em ambulatório especializado.
Além do conteúdo apresentado nos slides, teceu considerações acerca da necessidade de traçar metas que permitam realmente ressocializar. Defendeu a manutenção do termo “doença mental”, sob o argumento de que não se pode negar a existência dessa doença. Quanto à aplicação do termo periculosidade, argumentou que este não deve ser substituído, pois há mesmo um risco de perigo. Salientou que o importante não é a alteração desses termos, mas sim que sejam utilizados apenas àquelas pessoas portadores dessa doença, de modo a que realmente sejam tratadas como doentes. Ponderou que o que não pode continuar existindo são pessoas não doentes serem assim consideradas quando, na verdade, apenas se utilizam da medida de segurança para não serem apenadas. Abordou, ainda, a ingerência, que seria uma “política que destrói”, ou seja, uma destrutiva ação do governo.
A representante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), IVARLETE FRANÇA, iniciou sua apresentação sobre “O protagonismo dos Movimentos Sociais no Processo da Reforma Psiquiátrica e os novos desafios para a superação dos Manicômios Judiciários” destacando a importância da participação e o protagonismo desses movimentos sociais. Chamou atenção para a ausência do usuário do manicômio na luta antimanicomial, ressaltando a importância de sua presença no processo de implantação da reforma psiquiátrica. Salientou as condições de violência e de violação de direitos humanos a que ainda estão submetidas as pessoas portadoras de sofrimento psíquico nos manicômios brasileiros, lembrando os problemas das internações de longa duração, que ocasionam a perda do vínculo social. Ressaltou que se faz necessário verificar se os seus direitos estão realmente sendo respeitados. Trouxe reflexão sobre os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) no Brasil, visando a uma articulação conjunta com todos os envolvidos, tornando possível a formulação de alternativas urgentes para modificar a realidade específica dos portadores de sofrimento mental em conflito com a lei, os chamados “loucos infratores”, que ainda se encontram em situação de confinamento nestes locais de segregação. Buscou fazer diferenciação entre as pessoas doentes e aquelas que, pelo tempo de internação, assumiram características institucionalizantes e precisam passar por processos de ressocialização, de modo a que sejam novamente integradas à sociedade. Apresentou os dados de 2009 do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), que mostra a existência de aproximadamente 3.900 pessoas em cumprimento de medida de segurança no Brasil, sendo a maioria confinada em instituições manicomiais. Apontou que, em 4 anos, houve um aumento de 40,93% nos índices do crescimento dessa população. Destacou a necessidade de buscar alternativas de cuidados em saúde mental que substituam o modelo de reclusão, que por vezes tem assumido o caráter de pena de morte e de prisão perpétua, violando os direitos humanos, bem como a necessidade de fazer um levantamento de como os usuários estão sendo tratados nos manicômios. Quanto aos dispositivos legais existentes, asseverou que o Código Penal também deve ser analisado sob a luz da Lei 10.216/01 (Lei da Reforma Psiquiátrica), no que diz respeito ao tratamento oferecido aos indivíduos submetidos à medida de segurança, garantindo sua inserção em uma Rede de Atenção Integral em Saúde Mental na comunidade, evitando assim a perda de seus vínculos sociais. Por outro lado, no que se refere à aplicação das medidas de segurança, criticou a redação do Código Penal, que dispõe que se o agente que infringiu a lei for considerado inimputável, o juiz determinará sua internação (Artigo 26 do Código Penal). Defendeu que a medida de segurança não tem caráter punitivo, ressaltando que a questão deixa de ser focada unicamente sob o prisma da segurança pública, sendo acolhida definitivamente pelos serviços de saúde pública. Lembrou que não será a cadeia, tampouco o manicômio, o destino desses homens e dessas mulheres submetidos à internação psiquiátrica compulsória. Para concluir, ressaltou a atuação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, CNPC, por intermédio da RESOLUÇÃO Nº- 4, DE 30 DE JULHO DE 2010, que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais de Atenção aos Pacientes Judiciários e Execução da Medida de Segurança. Informou que já houve proposta de lei proibindo a internação, mas não foi aprovada e que a legislação vigente prevê a rede de atenção de saúde integral às pessoas com transtorno mental, sem qualquer tipo de discriminação. Destacou a importância da expansão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) nos últimos quatro anos. Quanto à diminuição do número de leitos nos hospitais psiquiátricos, questionado pelo representante do Conselho Federal de Medicina (EMANUEL FORTES), explicou que com a criação do CAPS e de toda a rede de atenção em saúde mental, há uma diminuição desses leitos nessas unidades. Ressaltou que o médico passou a integrar a categoria de trabalhadores da saúde mental. Apontou que o poder-saber do profissional não permite o protagonismo do usuário, ficando esse reduzido a objeto de estudo. Argumentou que a lei da reforma psiquiátrica é um avanço, porém que em diversos momentos tem retrocedido, como em alguns projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional, que podem ocasionar esse movimento de retorno. Por fim, enfatizou que a reforma possibilitou ao usuário participar desse processo, em igualdade de condições com os detentores do saber (profissionais), por também produzir conhecimento e ser um detentor do saber.
Desfeita a primeira mesa da audiência, a coordenadora da segunda mesa- Execução das Medidas de Segurança, TÂNIA MARCHEWKA, Procuradora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, iniciou os trabalhos convidando MARA FREGAPANI BARRETO (Coordenadora-geral de Reintegração Social e Ensino do Departamento Penitenciário Nacional/DEPEN – Ministério de Justiça), GEDER LUIZ ROCHA GOMES (Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP), TÂNIA KOLKER (Coordenadora de Reinserção Social dos Hospitais) e JANAÍNA PENALVA (Psicóloga do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero/ANIS).
MARA FREGAPANI BARRETO fez um breve relato do que vem a ser o Departamento Penitenciário Nacional, apresentando o organograma da instituição. Destacou a importância da capacitação do servidor e que o ensino é um elemento transformador. Afirmou que o DEPEN tem como meta a implantação de ensino à distância do servidor – não unicamente do agente penitenciário – mas sim de toda a equipe de agentes, objetivando um atendimento mais eficiente aos usuários. Fez algumas considerações sobre a Lei nº 10.216/01, defendendo tratar-se de grande elemento transformador. Mencionou, ainda, a Portaria Interministerial nº 1.777/2003 (elaborada pelo Ministério da Justiça e Ministério da Saúde), que visa promover o atendimento dos usuários pelo SUS e trata a saúde de uma forma geral, considerando o transtorno mental como uma questão de saúde. Lembrou, também, que a Resolução nº 5/2010 e nº 4/2004 – CNPCP trazem as diretrizes da Lei nº 10.216/01, possibilitando a aplicação da lei. Salientou que foram repassados 45 milhões de reais para o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário/2004, mas os Estados não têm comprovado a efetiva utilização desse montante. Reforçou que estão sendo providenciados cursos para orientar a aplicação mais adequada desses recursos. Por fim, apresentou alguns convênios, tal como o Convênio nº 63/2009 – RJ, que visa basicamente o redimensionamento do paciente judiciário, com sua saída dos hospitais de custódia para utilização de outros métodos para ressocialização, como por exemplo, tratamento junto a família. Também abordou o Convênio nº 73/2009 – ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, que realiza um levantamento censitário do paciente judiciário, identificando os pacientes que não estão cadastrados. Abordou ainda o Convênio nº 128/2010 – MG, que conta com plano para trazer uma articulação entre os Ministério da Justiça, da Saúde e do Desenvolvimento Social, visando delimitar na portaria a atribuição de cada parte.
GÉDER LUIZ ROCHA GOMES teceu comentários sobre a medida de segurança numa perspectiva contemporânea. Iniciou sua apresentação fazendo uma abordagem cronológica, citou o Código Criminal do Império (1830), o Código da República (1890) e o Código Penal (1940). No tocante a este último, entendeu que houve um retrocesso, pois o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico está mais voltado à custódia do que ao tratamento, propriamente. Após, fez breve histórico das políticas públicas na área de Saúde Mental, destacando a Europa - anos 50 (Pós-Guerra) e o movimento da “luta anti-manicomial” (anos 80). Salientou que o pior inimigo da Reforma Psiquiátrica é o mito da periculosidade do “Louco” (o louco infrator é presumivelmente “perigoso” para a sociedade) e, em consequência, aponta-se que a única resposta eficaz seja a sua internação, que o faz desaparecer do ambiente social, sendo necessária a desconstituição desse mito. No tocante aos pressupostos da reforma psiquiátrica, ressaltou que o internamento prolongado é devastador; a segregação do “Louco”, em manicômios, não gera efeitos terapêuticos positivos, do ponto de vista biológico, afetivo/emocional e social; e a estruturação do Hospital Psiquiátrico como “Instituição Total” distancia a sociedade da realidade intra-muros, gerando um aparelho sombrio de poder/subjugação, que fere princípios da dignidade da pessoa humana e interdita a cidadania do “Louco”. Por sua vez, no que diz respeito aos princípios básicos, frisou que: o modelo de atenção ao “Louco” deverá ser integral e inclusivo, mantendo os laços afetivos e sócio-comunitários; o internamento não é indicado como terapia, exceto por períodos curtos, em alguns casos específicos. Apresentou um estudo que aponta que 46% dos tratados em regime de internamento, com rompimento dos laços sociais, foram reinternados, reforçando a ideia de que esse tipo de método não tem sido satisfatório. Outro ponto levantado foi o aparente conflito de normas entre a Lei nº 7.210/2004 (Lei de Execução Penal) e a Lei nº 10.216/01 (Lei da Reforma Psiquiátrica). Reforçou acerca da desinternação progressiva, citando o artigo 5º da Lei nº 10.216/01. Salientou que o Poder do Estado deve assegurar a continuidade do tratamento, e que a Constituição Federal já garante isso. Afirmou que não precisa ser criado um novo ordenamento para tratar desse assunto, bastando que a Constituição Federal seja respeitada. Ressaltou que, havendo um hospital tecnicamente preparado para tratar, poderá vir a funcionar, mas da maneira como se encontram os existentes, possivelmente não alcançarão os objetivos propostos para uma ressocialização. Em seguida, questionou se “seria juridicamente sustentável extinguir ou reduzir a existência dos Hospitais Psiquiátricos para cumprimento Medida de Segurança, oferecendo um modelo alternativo”, tendo em vista a redação do artigo 4º, §3º, que prevê: “É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o”. Em resposta ao questionamento levantado, apresentou o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ), argumentando que seria um ideal de aplicação da Medida de Segurança no Brasil, tendo em vista que os Estados que optaram pelo programa obtiveram um resultado muito satisfatório, sendo que o índice de reincidência é de menos de 2%, e são relativos ao uso de drogas ou furto, não havendo nenhum registro em crimes graves contra pessoas, como homicídio e sua tentativa ou latrocínio. Concluiu a exposição, apresentando uma proposta programática preliminar da Bahia (Projeto – PAI), que, em linhas gerais, visa à construção de um modelo de Atenção Integral ao “Louco Infrator”, alternativo ao hospital-prisão, em consonância com os princípios da Reforma Psiquiátrica e com as Políticas Públicas de Saúde Mental do Brasil.
TÂNIA KOLKER apresentou reflexões sobre a metodologia do trabalho de desinstitucionalização dos pacientes em cumprimento de medida de segurança – Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho – Rio de Janeiro. Iniciou sua apresentação mostrando alguns slides com imagens da realidade do sistema penitenciário – mostrando o desrespeito aos direitos humanos. Citou um caso paradigmático de paciente com diagnóstico de doença mental que ficou internado durante 52 anos, por ter furtado mantimentos do vizinho. Falou da contradição entre a relação de custódia e o cuidado como matéria do trabalho profissional das equipes interdisciplinares. Relatou alguns aspectos sobre o HCTP Heitor Carrilho e seu atual cenário. Ressaltou que o primeiro manicômio judiciário foi criado no RJ e que, à época, as medidas de segurança eram regidas pela Defesa Social, com o fim de afastar essas pessoas do restante da sociedade, pois eram consideradas perigosas para o convívio social. Abordou acerca da metodologia do trabalho profissional pautada no Código Penal, na Lei de Execuções Penais e na Lei 10.216/2001. Aduziu que os artigos do Código Penal e da Lei de Execução são anteriores à Constituição Federal e violam os direitos por ela assegurados, necessitando, urgentemente, de uma reformulação. Elencou como entraves para a transformação do atual sistema, dificuldades no plano legal, pois as medidas de segurança ainda são regidas pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal, que são anteriores à Constituição Federal. Para demonstrar um pouco da trajetória que tem sido percorrida, abordou alguns fatos: Seminário Nacional para Reorientação dos HCTP – MJ e MS – 07/2002; Programa Nacional de Direitos Humanos II – 13 de maio de 2002; Resolução nº 5 do CNPCP – Diretrizes para cumprimento das medidas de segurança; Experiências no sentido da adequação das Medidas de Segurança à Lei nº 10.216/01 (2001 – Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental Infrator (PAIPJ) em Minas Gerais; 2006 – Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI) em Goiás. Ressaltou que o modelo de tratamento existente foi determinado com base na legislação criminal, inclusive, as internações são estabelecidas, ainda, somente por determinação judicial. Abordou a ausência de medidas de suporte aos familiares e dificuldade de inserção na rede pública de saúde. Reafirmou que normalmente a espécie de medida de segurança utilizada é o HCTP (Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico). Realizou breve exposição sobre a Saída Terapêutica Assistida e a Casa de Transição. Destacou, ainda, a importância da criação da Residência Terapêutica e mostrou algumas já existentes. Também fez alguns apontamentos para se pensar na reformulação da perícia forense com vistas à redução dos malefícios da institucionalização.
JANAÍNA PENALVA iniciou sua exposição fazendo uma análise sobre a aplicação da Lei nº 10.216/01. Apresentou o resultado de pesquisa realizada para avaliar o nível de aplicabilidade da lei, através de estudo comparativo – hospitais de custódia em Minas Gerais e na Bahia. Salientou que, das 436 pessoas internadas, apenas 232 estavam sob medida de segurança e que somente 11 processos referentes à medida de segurança, nos termos da Lei nº 10.216/01, foram localizados. Nos demais casos, a sentença era promulgada com base na decisão do juiz ou por solicitação da promotoria. Ou seja, para a maioria dos casos não foi aplicada a Lei nº 10.216/01. No tocante ao possível risco do retrocesso pela “judicialização” da saúde mental, em que todas as internações somente decorreriam de ordem judicial, inclusive para tratamento de usuários de drogas, defendeu que a lei não se direciona apenas aos juízes, inexistindo conflito com os interesses dos médicos. Há uma junção entre o conhecimento normativo dos juristas e a experiência profissional do médico. Criticou que esses pequenos problemas quanto à nomenclatura adotada na lei, não podem servir como justificativa para a não aplicação das medidas de segurança de forma eficaz e estar acima dos interesses dos cidadãos. Destacou que tem aumentado a participação da Defensoria Pública. Por fim, criticou as condições físicas dos espaços destinados à internação, demonstrando a necessidade de um processo intenso de melhoria, pois da maneira como estão dificultam um resultado satisfatório de aplicação de medida de segurança ao indivíduo. Finalizou a apresentação parabenizando a realização da audiência.
Os trabalhos foram reiniciados por volta das 14h15. A terceira mesa foi composta por WALTER FERREIRA DE OLIVEIRA (médico psiquiatra e sanitarista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina), que a coordenou, por ROBERTO TYKANORI (coordenador nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde), PAULO AMARANTE (presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental e professor da Fundação Oswaldo Cruz- Fiocruz) e TÂNIA MARIA DAHMER PEREIRA (diretora do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do Rio de Janeiro), tendo por tema “Os serviços prestados às pessoas em medida de segurança”.
Após breve apresentação dos expositores pelo coordenador da mesa, falou ROBERTO TYKANORI, coordenador nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Expôs a dificuldade no repasse da verba liberada pelo Ministério da Saúde chegar a seu destino final, porque sofre entraves nas Secretarias de Estado - muitas vezes, o dinheiro não é utilizado e é devolvido. Abordou a interligação secular entre a saúde e o direito, que a tutela. Mencionou a confusão existente quando se fala em medidas de segurança. Afinal, trata-se da segurança de quem: da sociedade? Do paciente? Nessa seara, quem tem melhores condições econômicas recebe uma resposta social diferente daquele que não a tem, que é pobre, como se houvesse uma atenuação, um abrandamento do ato cometido pelo infrator. Sustentou que o fato de haver confusão dificulta a tomada de políticas públicas. Explanou sobre um presídio em Milão, que considera modelo, por ser o único que cumpre as disposições legais tais quais previstas: a pessoa é impedida de sair, de ultrapassar os muros do estabelecimento prisional. Quando há permissão para fazê-lo, quando o Estado permite que a porta lhe seja aberta, ele, o Estado, se responsabiliza pelo indivíduo, por tudo que lhe possa advir, por todo acontecimento que sobrevenha. O Estado se torna e se sente responsável inclusive pelo direito de ir e vir da pessoa. Ali, só há presos condenados a penas superiores a 03 (três) anos, misturando-se estupradores, homicidas e latrocidas. Não há celas diferenciadas para pedófilos e estupradores, por exemplo – ponto negativo. O ambiente, contudo, é muito limpo, com pessoas serenas – presos, policiais e serventes. Há oficinas de trabalho de grandes empresas, tais como Samsung. Há contratos de trabalho com os presos para atividades de jardinagem, plantio de legumes, etc, não havendo mistura entre o trabalho e o comportamento, “disciplina é disciplina e trabalho é trabalho”. Explicou que o dinheiro recebido pelo trabalho realizado é depositado em uma conta para o preso, pois dentro do estabelecimento não são permitidas transações em dinheiro. Os policiais são treinados para terem educação e não somente para exercer vigilância. As condutas dos presos e dos policiais são totalmente diferentes das adotadas no Brasil. Afirmou que há um limite para a aplicação do direito na área da saúde, pois há de prevalecer a ética quando atingido esse limite. Apontou que não há confusão entre pena e tratamento, “dentro de um tratamento, há que se ter direitos e não obrigações. E direitos são direitos, prescindem de barganha”. Sustentou que castigo não reeduca, explicando que, no referido presídio, não se encontra nenhum paciente lesionado, apresentando sinais de ter sido vítima de violência e/ou tortura. Concluiu salientando a importância da interpretação do direito para a produção de uma nova sociedade.
Após, iniciou a explanação PAULO AMARANTE, Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental e Professor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), anunciando o “II Simpósio de Política e Saúde”, que será realizado entre os dias 07 e 09 de julho, no campus da Universidade de Brasília, visando “realizar um debate de cunho eminentemente político e, a partir daí, construir teses que contribuam para uma agenda do movimento sanitário” (http://www.cebes.org.br/seminario.asp?idConteudo=1401). Prosseguiu discorrendo que o projeto de reforma psiquiátrica e o processo de democratização ocorreram simultaneamente. Mencionou as reformas ocorridas em Barbacena/MG e em Jurujuba/RJ (Niterói), onde os tratamentos de longa internação foram reformulados e humanizados. Afirmou que a necessidade atual é de uma reforma psiquiátrica de fundo, e não somente de espaços físicos. Indicou a todos a leitura da obra “O tratado médico-filosófico sobre a alienação mental”, de Phillipe Pinel, empreendedor da tarefa de curar os doentes mentais e reintegrá-los à vida social, ressaltando que, em vez de fazer uso do termo “doença”, o autor e pesquisador sempre usa a expressão “alienar-se”. Sugeriu, ainda, a leitura de “A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos”,de Márcia Angels, onde se verifica a criação de doenças por laboratórios para que possam ser vendidos mais remédios, enfatizando que os laboratórios não investem nada em pesquisas, como deveriam, mas, sim, em propaganda para médicos, que os indicam. Explicou que os termos “transtorno”, “doença”, “desequilíbrio mental” não demonstram a complexidade e a dimensão da questão. Fez alusão a um congresso de Saúde Mental em que foi utilizado o verso de Caetano Veloso: “De cerquita nadie es normal” (de perto ninguém é normal), verso de que fez uso, logo depois, a indústria farmacêutica, contudo, tentando ressignificá-lo: já que ninguém é mesmo normal, nem mesmo de perto, melhor então que todos sejam medicados. Destacou que a ideia de que todo paciente deva ser internado já está ultrapassada. Concluiu ser necessário que se saia da audiência pública com uma agenda completa para que se tente solucionar os problemas, conclamando todos os movimentos sociais a integrarem esta rede.
Após, sobreveio a exposição de TÂNIA MARA DAHMER PEREIRA, Diretora do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Rio de Janeiro. A palestrante iniciou sua fala mencionando a impossibilidade de se acabar com a contradição existente nas medidas de segurança (custódia x cuidado), sendo possível, em um processo de construção, vislumbrar-se algo melhor. Salientou que, por muitos anos, fazia-se analogia entre campos de concentração e hospitais psiquiátricos públicos. Afirmou que a desinternação somente acontece mediante declaração de cessação da periculosidade pelo perito-psiquiatra, sendo ineficaz uma declaração da equipe que trabalha com o paciente por longo período no sentido de que sua periculosidade findou. Expôs que a maioria dos internos do Hospital Heitor Carrilho é de pacientes com problemas de esquizofrenia, abandonada, sem contatos ou vínculos familiares, apresentando problemas musculares e rotinizados – a rotina lhes retira o desejo de tudo, como escovar os dentes, cortar as unhas e, inclusive, o desejo de fuga. Por essa razão, embora haja, internamente, oficinas de atividades, tenta-se constantemente fazer com que os pacientes internados saiam da rotina, sendo levados à rua, sempre que for possível (para fazer documentos, ir a algum lugar...), acompanhados pela equipe multidisciplinar de trabalho, que envolve psiquiatra, assistente social e enfermeiro. Informou haver sete hospitais no Rio de Janeiro: três na área de psiquiatria e os demais em áreas distintas, que contudo, vêm sofrendo várias contenções estatais, sem recursos do SUS, porque não são vistos como hospitais por fugirem do modelo-padrão. Concluiu a exposição afirmando a importância de se obter uma resposta à questão: o que o Estado fará com os desinternados, egressos dos hospitais? Nesse momento, o coordenador da mesa, WALTER FERREIRA DE OLIVEIRA, ressaltou a importância da metodologia adotada pela comissão instituída pela PFDC.
Sucedeu-se a quarta mesa, coordenada pelo Procurador Regional da República PAULO JACOBINA, e composta por HAROLDO CAETANO DA SILVA, coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos – GO (CAODH), ROMINA GOMES, psicóloga judicial do Núcleo Supervisor do PAI-PJ, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e por HERBERT CARNEIRO, Desembargador do TJMG. O primeiro a expor, HAROLDO CAETANO DA SILVA, analisou pontualmente a periculosidade e a importância de sua conceituação para que se possa discorrer sobre qualquer aspecto relativo à medida de segurança. Ressaltou que a medida de segurança , nos termos do art. 85 da lei revogada (Código Penal de 1940), embora pretensamente não punitiva, estatuía que se o interno não a cumprisse como devido ou empreendesse fuga, teria que voltar a ser cumprida do início. Ainda antes da reforma penal, ocorrida em 1984, a internação era correlacionada à pena em abstrato cominada ao crime (a crimes punidos com detenção, cominava-se tratamento ambulatorial; aos inimputáveis, internação). Com a reforma, o art. 98 do Código Penal dispôs que, aos condenados a cumprimento de medida de segurança, será dado tratamento curativo, porque relacionado à natureza da pena cominada. Prosseguiu aduzindo que a medida de segurança, ao reconhecer a inimputabilidade, absolve o réu, e que, não havendo culpabilidade, não tem caráter sancionatório. Referiu-se expressamente à Lei 10.216/01 que, em seu art. 4º, estabelece que a internação, mesmo quando em caráter compulsório, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares forem insuficientes. Mencionou, ainda, que foi dispensada a necessidade de laudo de cessação de periculosidade para a desinternação, pois a execução da medida de segurança segue novo paradigma, que é a reinserção social do paciente. A desinternação ocorre por recomendação médica. O tema, então, sai da esfera da segurança pública e adentra o campo da saúde pública. Por sua vez, o art. 6º da mesma lei estabelece a exigência de um laudo médico circunstanciado, que especifique os motivos da necessidade de se adotar a medida extrema de internação, que, ainda que compulsória, é excepcional e de mínima duração. Teceu longo comentário acerca do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI), de sua autoria, ganhador do Prêmio Innovare 2006. Expôs um vídeo demonstrativo do projeto. Informou que 450 internos morreram em Sorocaba, reforçando a ideia de hospitais psiquiátricos serem equiparáveis a campos de concentração. Encerrou enfatizando que “o direito produz liberdade, que produz segurança”.
Em seguida, ROMINA GOMES, psicóloga judicial do Núcleo Supervisor do PAI-PJ, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, iniciou sua explanação esclarecendo o que é e o que objetiva o PAI-PJ: trata-se do “Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental Infrator (PAIPJ) ”, integrando o Programa Novos Rumos do TJMG, que visa assessorar a justiça na individualização da aplicação de medidas socioeducativas e de medidas de segurança, viabilizando o acesso ao exercício de direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição Federal e acompanhamento de processos judiciais em que figurem, por exemplo, adolescentes em conflito com a lei e pessoas com sofrimento mental, mediante o fornecimento de subsídios técnicos necessários à prestação jurisdicional. Explicou que a Resolução nº 633/GO e as Portarias nº 180, 181 e 192, todas de 2010, estenderam o programa a comarcas do interior. A resolução define o que seja paciente judiciário: pessoa em sofrimento mental que responda a processo judicial. Informou, ainda, que o Programa é composto por um núcleo supervisor em nível estadual, um núcleo prisional (grande Belo Horizonte), CATU (responsável pelo acompanhamento de processos em que adolescentes portadores de sofrimento mental cumprem medidas protetivas, cujo nome veio da linguagem dos próprios adolescentes, que dizem “vou deixar um catu” quando querem deixar um recado para alguém), núcleos regionais (Belo Horizonte), núcleos regionais em fase de implantação (Barbacena, Governador Valadares e Itaúna).
HERBERT CARNEIRO, Desembargador do TJMG, que detalhou o Programa do PAI-PJ, começou elencando as referências legislativas em que está assentado o Programa: Lei estadual nº 11.802/95, Lei nº 10.216/01, LEP, arts 176 e 184; Portaria conjunta nº 25/01 do TJMG e Resolução nº 633/10. Mencionou, ainda, as Resoluções nº 05 do CNPCP, nº 96/2009 e 113/2010 do CNJ, a Portaria nº 26 de 2011. Como características do Projeto, elencou a intersetorialidade – decorrente do diálogo e da parceria entre as diversas políticas públicas e a sociedade civil –, o acompanhamento psicossocial contínuo, mediante equipe multidisciplinar, a individualização da medida, com respeito às singularidades psíquicas, sociais, biológicas de cada paciente judiciário, a inserção social, viabilizando o acesso do cidadão e da cidadã a seus direitos fundamentais e sociais, a reforma psiquiátrica, com a adoção da política antimanicomial, a responsabilização na oferta de recursos simbólicos para habilitação do cidadão/paciente com a finalidade de responder pelo que fez ou deixou de fazer. Explicitou também as responsabilidades do Programa quanto ao paciente judiciário: 1. acompanhar processos infracionais do paciente visando à individualização da atenção integral; 2. acompanhar o paciente psicológica, jurídica e socialmente, usando a rede substitutiva de serviços de saúde mental; 3. manter contato e articulação intersetoriais; 4. emitir relatórios ao juiz sobre o acompanhamento do paciente judiciário e 5. realizar discussões com peritos criminais quando houver exame de sanidade mental e cessação de periculosidade, apresentando dados do acompanhamento. Refletiu que os pacientes judiciários, assim como os encarcerados, são tratados como números e não como pessoas. Argumentou que o Judiciário e os órgãos da saúde não cumprem adequadamente seu papel, salientando a necessidade permanente de atuação dos poderes públicos com a sociedade civil para substituir integralmente o modelo manicomial de cumprimento de medida de segurança pelo modelo antimanicomial, como base em programa específico de atenção ao paciente judiciário.
Logo a seguir, sobreveio a fala de ULYSSES RODRIGUES DE CASTRO, diretor geral do Instituto de Saúde Mental da Secretaria do Distrito Federal, que iniciou ressaltando que o ISM-DF existe há 24 anos, tendo sido criado em 1987, época da vigência do regime ditatorial, e Brasília foi o local onde mais se exercia a ditadura, o que se constitui em uma dialética, pois esse modelo visa a promoção da liberdade e a reinserção do paciente. Informou que ele possui uma ala de tratamento psiquiátrico (ATP) que funciona dentro da penitenciária feminina e que o tratamento com pacientes jurídicos teve início, verdadeiramente, em 1997, sendo que, enquanto em 2002 havia 66 pacientes, hoje há 110. Ressaltou haver oficinas de capacitação nas áreas de serigrafia, marcenaria, costura, artesanato, coral e biscuit. Ao término de sua exposição, foi oportunizada à plateia a elaboração de perguntas. Um questionamento chegou à mesa, endereçado a HAROLDO CAETANDO DA SILVA: Se existe preconceitos em tratar psicóticos em hospitais psiquiátricos? Por quê? A resposta oferecida foi que não se trata de preconceito, mas de fazer uso de novas formas de tratamento, novos paradigmas, dando-se respostas mais adequadas ao contexto social, político, humanístico, fruto de uma construção social. Afirmou haver uma postura hostil, revelada pelo silêncio à questão, pois nem mesmo o tratamento para usuários de drogas prevê a internação em hospital psiquiátrico. Enfatizou-se a necessidade de se reformar esses estabelecimentos, insalubres e imprestáveis aos fins aos quais se destinam.
Não havendo mais manifestações, PAULO JACOBINA, Procurador Regional da República encerrou a mesa e passou a palavra para GILDA PEREIRA DE CARVALHO, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão e Presidenta do Inquérito Civil Público. A PFDC agradeceu a contribuição de todos pelos elementos, subsídios e dados compartilhados, lembrando que cada um poderá ampliar a atuação em prol dos direitos das pessoas com transtornos mentais. Explicou que, ao propor a audiência pública e intitulá-la “Saúde Mental: Execução de Medida de Segurança e Aplicação da Lei 10.216/2001 ao Sistema Penitenciário Nacional”, buscou suscitar a reflexão quanto à observância dos direitos elencados nessa lei pelas autoridades do sistema judiciário. Fez referência a todos os profissionais que integram o sistema penitenciário, destacando que a audiência contou com a presença de perito forense, representante do Conselho Federal de Medicina, assistente social e da diretora do HCTP Heitor Carrilho do Rio de Janeiro, dentre outros. Apontou que as experiências apresentadas na aplicação da Lei 10.216/01 às pessoas em medida de segurança dão esperança e sugerem caminhos a serem percorridos. Deixou claro que existem desafios a serem enfrentados, mas que, no entanto, experiências praticadas na área – tais como as do PAI PJ em Minas Gerais, a do PAI LI em Goiás e a experiência no Distrito Federal – apontam caminhos para garantir os direitos das pessoas com transtorno mental. Informou que as contribuições feitas no âmbito da audiência serão analisadas, sendo também contemplado o parecer da comissão criada pela PFDC. Ressaltou que a saúde mental é tema prioritário em todo o mandato da PFDC e a pretensão é oferecer contribuição para o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, médicos, médicos psiquiatras, peritos forenses, assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas, terapeutas ocupacionais e outros profissionais atuantes na área. Observou que o atendimento na área de saúde mental deve ser multidisciplinar, não sendo mais cabível que um membro do Ministério Público, do Judiciário, médicos ou enfermeiros possam considerar sua ciência como suficiente. Salientou que o importante é a soma de conhecimentos, de modo a alcançar o desiderato que é o direito das pessoas com transtorno mental (estando, ou não, em conflito com a lei). Em sua conclusão, destacou o importante trabalho feito pela comissão criada pela PFDC (cuja composição é multidisciplinar: psiquiatra, psicólogos, membros do Ministério Publico), ressaltando que as conclusões do parecer estão em plena sintonia com os trabalhos apresentados. Afirmou que, com os subsídios colhidos durante esta audiência, pretende impulsionar no sentido de que as pessoas com transtorno mental em conflito com a lei tenham finalmente um tratamento digno e que todas as ciências (sociais, médicas, direito, assistência social, entre outras) possam colaborar para que esses direitos sejam, efetivamente, implementados – a partir de um trabalho conjunto.
Declarou-se encerrada a audiência pública, que foi gravada em áudio e vídeo. Segue anexa a lista de presença, que contou com aproximadamente 76 (setenta e seis) participantes. Assinam a presente ata a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, GILDA PEREIRA DE CARVALHO, a analista processual Lisiane Thurler Portella, matrícula 3.189-5, e a técnica administrativa Luana Garcez Stein, matrícula 17.320-2, que a redigiram.
Gilda Pereira de Carvalho
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
Lisiane Thurler Portella
Analista Processual
Luana Garcez Stein
Técnica Administrativa